ENTREVISTA: BRUNO NEGAUM FALA SOBRE A ATUAL FASE DO ROCK LOCAL


Foto por Carol Andrade


Bruno Negaum é um dos artistas mais conhecidos da cena underground pernambucana. Com sua vasta experiência, o músico, dj e apresentador, deu sua opinião sobre a atual fase do rock do estado. Confira abaixo na entrevista exclusiva para o Nutallo:


1 – Quais foram os fatores que fizeram o rock pernambucano se encontrar nessa situação? Falta de interesse dos músicos? Falta de valor e de incentivo do público? Falta de divulgação? Falta de espaço para as bandas mostrarem seus trabalhos? Falta de bom material e qualidade das bandas? Qual a sua opinião?


Bruno Negaum -> Quando falamos de “crise no rock pernambucano”, nós precisamos acima de tudo dar uma analisada geral em tudo o que abrange o termo “música pernambucana”; o número e qualidade das bandas que existem na atualidade, a quantidade de discos que foram e estão sendo produzidos do último ano pra cá no nosso estado, os festivais/eventos/casas de shows que abrem espaços para este tipo de seguimento atualmente, entre outros fatores que fazem tantas pessoas discutirem a respeito desse assunto. Realmente existe essa crise ou nós só estamos passando por um período de transição/adaptação a um novo modelo de conduta no mercado fonográfico?

Como parte do público e desse universo no papel de músico e apresentador de eventos, e fazendo uma ligeira comparação com o cenário underground do hardcore melódico/pop punk/emocore em que eu vivia na minha adolescência dez anos atrás, enxergo uma verdadeira diminuição no número de bandas, o que acho completamente natural. Mas eu vivia num seguimento desse todo que é o cenário rock´n´roll pernambucano que, apesar de ser importante pela formação de um público majoritariamente jovem e de profissionais iniciantes na área, se perdia pela falta de planejamento de carreira, posicionamento artístico, o famoso (e temido!) vestibular, entre tantas outras coisas.

O documentário “Do Underground ao Emo”, do Canal Bis/Globosat e dirigido pelo cineasta Daniel Ferro, que eu recomendo a todos que gostam de rock e que aborda tudo isso o que eu estou falando, num certo momento leva em consideração alguns pontos negativos que aconteceram no eixo Rio São/Paulo, mas que reverberaram aqui também desde a explosão midiática da cena e do sucesso nacional de alguns grupos que faziam parte dessa turma como o CPM 22, NxZero, Fresno, etc. Apareceu muita gente querendo se aproveitar desse momento única e exclusivamente não pela vontade de mostrar o seu talento e verdade musical, mas pela oportunidade do sucesso rápido, do glamour de fazer parte desse mundo, de pegar as gatinhas porque é artista e de enganar os músicos iniciantes.

A consequência disso é que, tanto por lá como por aqui, foi um movimento com um número relativo de bandas que apresentavam trabalhos de qualidade duvidosa, shows toda semana com as mesmas atrações e voltadas para o mesmo público, produtores que obrigavam as bandas a venderem ingressos para participarem de seus eventos fazendo os pais depositarem um “cheque-calção”, preconceito de outros seguimentos como o metal e a música indie, que estava ganhando espaço com o “movimento asfalto beat” e a explosão do Coquetel Molotov.

Isso aborreceu muita gente que levava a sério e fazia parte daquele mesmo seguimento desde o início. A grande tristeza é que no Recife, diferente dos estados citados pelo documentário, não existiu uma renovação. No “grande eixo”, esses pseudo-grupos acabaram encerrando as suas efêmeras carreiras e sumiram de uma vez por todas, outros mais antigos acabaram voltando a tocar e a trazer o velho público de volta ás casas de shows, quem continuou acreditando no seu potencial e trabalhou desde aquela época de uma maneira séria/profissional e consistente segue até hoje fazendo o seu som e a crítica especializada voltou a abrir espaço para essa turma. Aqui nunca existiu um incentivo midiático voltado para essa turma, com raras exceções á regra como o RecifeRock!, a Rádio Cidade, as rádios comunitárias e a loja Disco de Ouro.

Não acredito numa “falta de interesse” dos profissionais  pernambucanos desse seguimento, sabe? Ainda temos vários músicos/produtores/compositores/intérpretes com trabalhos excelentes na cidade, das antigas e na atual geração, e que ainda tocam por aí, acreditam numa renovação do cenário. Mas existe uma certa ignorância, falta de conscientização de que para se viver de música é preciso trabalhar 24h por dia nisso, como em qualquer outra profissão e é preciso também se trabalhar em grupo. Ter um videoclipe com uma qualidade de video bacana e milhares de visualizações, fã clube e tudo mais é super legal, mas mais importante do que isso é ter um planejamento de carreira, um visual bacana, equipamento de primeira linha, além de técnica, talento e conhecimento do mundo empreendedor.

Hoje em dia não se pode esperar mais por uma gravadora e se achar um grande artista porque você tem mais de mil curtidas na sua Fanpage, você precisa ser o chefe da sua empresa, ter um CNPJ, organizar burocraticamente tudo o que está relacionado ao seu projeto musical, ter um Ancine, ser vinculado a alguma editora, fazer um curso de video e audio pra fazer os seus próprios projetos e correr atrás de ser o seu próprio assessor de imprensa e agenciador, indo de espaço em espaço com o seu disquinho na mão. Além disso, NADA é mais importante do que o show, e pra isso é preciso ensaiar, ter uma boa equipe técnica no seu time e, principalmente cobrar um cachê justo e que vá evoluindo juntamente com as conquistas da sua banda.

Quanto a valor e incentivo, isso só existe quando se leva o trabalho a sério, se investe tempo/dinheiro/dedicação para empreender a sua carreira da melhor forma, lê blogs/sites/revistas de músicas não só daqui, mas de todo o mundo, escuta todo tipo de música em casa e ao vivo em todos esses eventos que acontecem na cidade e se passa a interagir com outros músicos, produtores e artistas de outras áreas.

Tem muita gente bacana por aí com idéias e gostos musicais que vão de acordo com o que você vem trabalhando, vai que de repente o seu trabalho tem tudo a ver com os projetos que outras pessoas vem construindo e não se forma um coletivo, produtora, não é verdade?

2 – Há alguns anos atrás, muitos produtores, se arriscavam e produziam os eventos aos trancos e barrancos, outros produtores já mais experientes conduzindo muito bem eventos locais, com bandas locais e trazendo até bandas de fora, ao menos rolava. De uns tempos pra cá isso caiu muito, se resumindo há uns dois shows a cada quatro meses, o por que disso?


Bruno Negaum -> Hoje em dia, dependendo das circunstâncias, é muito mais viável fazer um bom show de brega com Mc Sheldon e gastar R$15mil de receita, além de ser dono do bar no evento e lucrar BEM que correr atrás de contratar um NxZero por quase R$40mil e ficar na insegurança de ter de cobrar quase R$100 num ingresso para crianças e adolescentes.

Isso vai muito de encontro com o que eu te falei acima, sabe? Se as bandas do cenário não tem um material bacana, um show pensado de uma maneira diferente, com uma proposta diferenciada, além de uma base consistente de fãs e admiradores, logo é prejuízo convidar essa atração pra tocar no seu evento, até porque ela gera um custo. E hoje em dia, por conta desse “apagão” do cenário underground, vivemos num limbo. Quais são as bandas que mais levam público? Quem é profissional ou só está brincando de ser artista? São questões que afastam os produtores de quaisquer contato com essa galera, ninguém quer ter dor de cabeça com banda iniciante.

Muita gente me critica por trabalhar em eventos voltados para o público teen como apresentador, e muitas vezes como dj, mas não entende que na maioria das vezes eu estou lá representando esse cenário, tocando as .mp3 dessas bandas e servindo de ponte entre esses projetos e um público que não teve a mesma sorte que eu tive anos atrás de escutar uma Porão GB da vida e me apaixonar de vez pela música pernambucana por saber qua além dos meus maiores ídolos, tinha uma galera da minha idade, que morava na minha esquina, vivia o meu universo e falava a mesma lingua que eu e minha turminha de amigos.

Esses shows só vão voltar a rolar com mais frequência e cada vez mais números de artistas locais e nacionais a partir do momento em que o rock local mudar de uma maneira positiva, e coletiva. E todo mundo se ajudar, tentar conquistar esse espaço juntos.

3 – O que fazer para o rock local voltar a ser, como há alguns anos atrás? Com várias bandas talentosas, e com shows com certa freqüência?


Bruno Negaum -> Apesar de sonhar MUITO com um futuro assim, não acredito que a cena deve voltar a ser o que era. Existiam muitas falcatruas, monopólios, inseguranças e falta de profissionalismo, era tudo pelo o amor á música. Hoje nós estamos em momentos diferentes nas nossas vidas e isso precisa ser custeado, pagar as nossas contas, não tem essa de Cubocard. Se deve trabalhar numa evolução daquilo, levando em consideração toda a nossa experiência como público, formadores de opinião e profissionais da área na época estudando alguns outros formatos que deram certo ao redor do país e do mundo.

Mas acho que o primordial é trabalhar coletivamente, juntar mentes pensantes de várias áreas que tem esse interesse em comum e realizar projetos voltados para a criação e fomentação desse público. Criar festas mensais, opções de formatos voltados para a informação a respeito desses artistas tanto na mídia virtual quanto impressa e fazer um burburinho na mídia. Um dos exemplos recentes mais bem sucedidos de reunião de artistas pernambucanos que representam um coletivo e tem uma boa expressão midiática é a “Cena Beto”. Por que esses artistas desse “cenário em crise” também não se reestruturam e correm atrás disso também?

Só não vale ser preguiçoso. lançar música, cd, videoclipe e ficar ligando pra minha casa pedindo e-mail de site e/ou redator de tal jornal pra fazer as coisas bombarem mais rápido, tem de se trabalhar sério e correr atrás de fazer o seu quinhão de responsabilidade bem, mesmo que em grupo.

4 – Poucas são as bandas que hoje em dia ainda se arriscam em tocar em alguns eventos que surgem a cada três ou quatro meses. Por qual motivo essas bandas que tocavam antes, sumiram? Por qual motivo muitas dessas bandas hoje em dia tocam covers, às vezes até saindo do estado pra tocar cover fora?

Bruno Negaum -> Acredito que os principais motivos que englobam esse “sumiço” foram citado na resposta que dei para sua primeira pergunta, no começo do nosso papo.

Eu, particularmente, como artista ainda sou convidado para me apresentar como músico e cantor em alguns eventos apesar de não lançar nenhuma música inédita alguns anos, mas prefiro preparar um material novo, lançar e aí sim marcar e me dedicar a uma apresentação para surpreender e emocionar o público com algo que foi pensado com carinho pra eles ao invés de subir ao palco por conveniência, apresentar aquilo que todo já conhece e isso não me acrescentar nada artisticamente. Até porque a minha carreira está em outro foco agora.

Quanto a esse lance de ir para outros estados e tocar “cover,” formato que eu chamo de “show tributo”, eu não sou contra. Já fui convidado, mas não acho viável por ainda não ter pensado num artista que me motive tanto a isso ainda ou pela proposta realmente não ser interessante financeiramente pra mim, até porque isso requer todo um estudo e um trabalho artístico de definição de repertório, rearranjamento das músicas e preparação de show, né? Mas se é interessante para os outros artistas, eu respeito completamente. Grandes artistas como Sandy, Lulu Santos, Vanessa da Mata e Maria Bethânia o fazem, por que não podemos?