Cadê o rock, Recife?


Nutallo entrevista vários músicos pernambucanos para informar o porque da cena rock local estar tão enfraquecida e o que fazer para esse quadro mudar.

Há alguns anos atrás,  o rock local estava verdadeiramente em um "boom". A cada dia que se passava, novos conjuntos surgiam e com suas distinções de estilos, algumas puxavam para o pop rock, outras pop punk, tinha espaço para o metalcore e até para o powerpop, entre outros estilos. Porém, todos eles com músicas bem trabalhadas (e gravadas), com CDs e webclipes sendo produzidos. Era também fácil encontrar alguma casa, principalmente no Recife Antigo, com algum evento destinado ao rock. Com isso, era de se esperar que o rock local obteria um futuro promissor, contudo, e infelizmente, houve um retrocesso.

Para Matheus Menezes, guitarrista da Iupi, e que participou ativamente da antiga cena do estado, com bandas como Devônia Charlotte e Punkekas, o que falta principalmente é uma união maior das bandas como acontecia antigamente. "Antigamente a gente ia pra se encontrar, não apenas pra ver as bandas que iriam se apresentar. Ver, tomar uma, trocar uma ideia, isso era mais importante do que a banda que iria tocar (lógico que isso tinha influência em quantidade), mas a gente ficava contando os dias para que chegasse o final de semana pra nos encontrarmos e assim seguia o resto do ano", informou. Já Eduardo de Moraes, mais conhecido como Sinó, guitarrista  e vocalista da banda Write Love, ressalta além da pouca união dos grupos atuais locais, o desinteresse do público e o estrelismo de algumas bandas. "Sempre achei que nunca existiram casas que abrissem as portas pra galera, tem muita banda boa em Recife, muitas bem melhores do que a gente vê fazendo nome por aí. Mas além das casas existe também um pouco de falta de valor e incentivo do público. Neguinho não paga R$ 10 pila pra ver um show de uma banda local que ouve, mas paga R$ 70 pra ver atrações de fora.  E as bandas davam mais a cara a tapa, tem banda que hoje em dia estreia, faz 2 shows e depois não se acha no dever/obrigação de divulgar o seu som para mais pessoas. Já se acham as estrelas do novo milênio", disse. 

Sobre a falta de shows, que antes era habitual ocorrerem eventos ao público do rock, e hoje em dia é raridade, o produtor de eventos, Lucas Lennon Neri, culpou o público e as novas bandas, fora os pseudo-produtores. "O público se acomodou com a situação atual, até por que um show não se faz de banda pra banda. Isso também é uma parcela da culpa das bandas 'novas' da cena, algumas até com uma qualidade de som, que se acomodaram com a situação adversa esperando simplesmente algo cair no colo. Antigamente o interesse era mútuo, coletivo, hoje está no 'cada um por si' dificultando muito o avanço da cena, que infelizmente tende a piorar! Além de não divulgarem seu trabalho com mais afinco, esperam tudo como se fosse acontecer num passe de mágica! Outra coisa que ajudou a drástica queda, foram os 'produtores', visando o lucro fácil, e o proveito das novas bandas quererem aparecer na cena a qualquer custo, chegando a participar de cotas absurdas em eventos mal planejados e divulgados!", revela.  

O músico Renato Silva, que já participou de várias bandas como Hady e Write Love,  acha que o que falta é uma maior boa vontade dos produtores. "Se houver um pouco mais de ousadia dos produtores, menos ganância, e principalmente se houver um apoio a essas bandas (tanto as novas como as antigas), a coisa pode voltar a acontecer como antes. Infelizmente os eventos de covers e com bandas grandes são os que ainda dão lucro. É compreensível, claro, ninguém trabalha pra ter prejuízo. Mas banda boa e com material bom tem por aí, o que falta é só alguém com coragem pra apostar nisso", afirma.

Já Roberta Marques, vocalista da extinta banda Noite em Moscou, ressalta que os adolescentes são pessoas que desvalorizam muito, ou seja  não tem o poder de consumo que um público de uma faixa etária que já trabalha. Ela ainda opinou sobre a forma de pensar das bandas, que precisa mudar. "Na minha humilde visão de tudo, esse público consome pouco show então as pessoas que tem grana (produtores) não tem interesse de investir, não é interessante pra eles, não tem retorno. Os poucos shows que se consomem são de bandas que já tem uma visibilidade maior no mercado - porque queira ou não, ainda existem aqueles­­­ que consomem música através da midia mais tradicional: a televisão, novelas e coisas desse tipo. As pessoas hoje querem consumir o produto em casa, são atraídas pelos videos que facilmente conseguem. Mas bom, como a gente pode fortalecer isso? Eu acho que as pessoas tão cansadas das mesmices, os mesmos shows  com as mesmas bandas fracas da cidade, com a mesma galera, no Recife Antigo, enfim,. eu particularmente sou uma pessoa caseira e digo com toda a certeza: eu não sairia da minha casa pra um show desses. Eu acho que o mundo tá aqui, na palma da mão da gente mas ganhar dinheiro com isso é realmente complicado, por isso que você tem que ser criativo. Mudar o formato dos shows, mudar o esquema vazio das bandas sabe? Tentar olhar um lugar que funcione, uma cidade em que se possa se espelhar, sem ser São Paulo. São Paulo é um mundo à parte. Tem que funcionar micro. Tem que funcionar pra gente. A cena de rock teen de Pernambuco é fraca e sempre foi. Já teve fases em que todo mundo parece tá seguindo o mesmo ritmo e som e aí parece que as coisas até vão funcionar de alguma forma, mas eu não acho que ela seja auto-suficiente. Tem gente  que fica indignada quando as pessoas preferem ir a tributos, mas é lá onde a galera vai poder tomar uma com os amigos e escutar as músicas que eles já conhecem! Ninguém gosta de ir pra show de quem não sabe a letra, onde não pode cantar  junto. Tem que fortalecer mais a história da banda. Lançar músicas com videos sempre. Esse formato: ah! vou lançar um CD, tá ultrapassado. Temos que saber nos reinventar".

Danilo Rodrigues, o "Dash", vocalista da Hady, afirma que é preciso o formato de shows se reinventar para atraír novamente o público, e com  isso, fazer com que os shows de rock voltem a ser ativos no estado. "As pessoas tem de ter motivação para irem a shows de rock hoje em dia. Muitas daquelas, que frequentavam shows antigamente, vão para raves, bregas, micaretas. Eles estão indo por serem festas que estão se destacando pelo seu público ou pela intenções a parte de irem ao show. A solução do show de rock é essa. Transformar os shows em locais que as pessoas queiram frequentar pelo público. Assim, procurando saber mais do som posteriormente. É mais ou menos como aconteceu com o funk no Rio de Janeiro, tornar o que é de uma classe social ou de uma tribo, em algo acessível para todos, fazendo com que as bandas tenham pelo menos shows", diz.



Mas nem tudo está perdido. Há algumas bandas que continuam na batalha (leia-se sonho), uma delas é a Voller. "A Voller acredita que a junção das bandas é que vai voltar a movimentar a cena e isso vai fazer não só ela como as outras bandas na ativa", ressalta Yuri Adriano, baixista da banda. União esta, que está acontecendo, mesmo que de forma ainda tímida, como informa João Paulo (JP), que era vocalista/guitarrista da Abside: "Mesmo fora da cena eu vejo que tem bandas que continuam firmes, e com ótima qualidade: Scenes, Dillema, Nova Holanda, entre outras. Algumas fazem até parceria pra fazer a cena continuar (parceria essa que deveria ter sido feita antes). Mesmo respirando com ajuda de aparelhos, a cena ainda continua lá, creio que esperando uma nova safra de músicos que renove e lhe dê um motivo pelo qual viver)".

Que melhores dias venham para o nosso querido rock local.