"Ei mundo, me salva!"


Texto por Marlon Diego

No alto dos meus 14 anos eu pensava em ter uma banda. Eu adorava a ideia de escrever músicas sobre meus problemas pessoais, minhas frustrações como adolescente desajustado e sonhava em pular em cima do palco com meus companheiros, imaginando outras pessoas repetirem empolgadas as frases mais marcantes de cada música. Meu contato com hardcore e minha transição do Nu Metal para algo “fora da caixa” - pelo menos para mim - foi com essa mesma idade. Na época eu só usava a internet para procurar bandas, e todos os dias cruzava com alguma do continente norte americano, Canadá, Austrália, etc. que eu só conseguia ouvir no recém conhecido Last.fm. As primeiras nacionais foram as de sempre, naquela época onde quem ouvia CPM 22 e Dead Fish era descolado. Apesar do clichê, elas me ajudaram muito a expandir minha playlist e me fazer refletir sobre outras coisas além do meu mundinho fechado.

Hateen, Houdini, Sugar Kane, Garage Fuzz…do Nu Metal eu fui pro melódico, rápido, ‘emotional’ e me apaixonei. Dentro dessa esfera eu sempre senti falta de ter algo próprio daqui de Recife ou Olinda, cidades em que eu transitava com assiduidade. Todos os “rolês” eram no centro do Recife ou no começo de Olinda. Mas eu era só um menino novo, que tinha acabado de aprender a sair sozinho e não fazia ideia da cena que existia ao meu redor. Foi aí que, por indicação de outro amigo, dei play em uma das tracks que viraria minha cabeça. Quando explodem a plenos pulmões a icônica frase “Tentando prever quanto será/ Os juros, as drogas e o amor”... na voz de Pablo, mantendo aquele fôlego intenso e uma energia que não fica só na produção de estúdio. Um estalo. Foi a única coisa que eu senti na hora que ouvi a track do recém lançado Expresso Barbárie, o filho único que a Dillema deixou antes de parar suas atividades.

Dos shows que fui da Dillema, lembro da vez que tocaram com Born To Freedom (RN), Plastic Fire (RJ) e Pense (MG) - essa última em sua primeira tour pelo nordeste. Foi no espaço “Moeda Eletrônica”, no Recife antigo, com um acesso horrível e os velhos companheiros calor, suadeira, som alto e o plus com um dono de bar das redondezas pedindo para que o show fosse encerrado antes do horário previsto porque estava atrapalhando a música do estabelecimento dele. Reynaldo quebrando um P.A., a gente trocando ideia com os caras da Nova Hollanda e Molder, ambas de Recife; A galera da Dillema subindo equipamento, checando o bar, olhando bilheteria, a grana das bandas toda no improviso. Que dia lindo.

Me recordo bem do dia em que tocaram com outras bandas num bar de motoqueiros, também no Recife antigo, com a proposta de “Quanto vale o rock?”, onde a entrada era free e a contribuição totalmente voluntária. Se deu dinheiro eu não sei, mas foi um show com direito a uma mini confusão rapidamente controlada, moshs sem massagem e alguns idiotas mostrando a bunda, mas isso conseguimos relevar.

Se ouvir hardcore já era bom, ouvir uma banda da sua cidade, com a intensidade e organização que a Dillema tinha era sensacional. Vira e mexe eu vejo alguns amigos da webesfera pedindo o “Chinese Democracy” do hardcore nacional, talvez mais demorado que o próprio disco do Tool, que deve sair ainda esse ano. Mas o amor pela Dillema não diminui mesmo com a separação dos membros e as mudanças na formação. É diferente quando você tem contato com os músicos por trás de toda aquela mensagem. Quando você conhece cada um deles, ou pelo menos boa parte da banda, e sabe que o que eles tocam não é só mensagem em cima do palco. Rasgando o verbo e criticando as diferenças sociais, os governos autoritários, os hábitos consumistas, a falta de empatia pelo próximo. Em resumo, ouvir a Dillema era catártico. Não precisa dar play em um disco do I Wilhem Scream, Belvedere ou Rufio pra me satisfazer. Tava ali, na minha mesma cidade, com alguns shows pelo centro, onde toda a massa se juntava para cantar músicas que já se tornaram hinos da cena local.

Fã de hardcore melódico que nunca cantarolou “Caos Urbano” em um dia de correria não sentiu a música ou não a conhece.

“O que perdi? o que restou?
das tentativas de mudar!!!
Consertar o hoje, melhorar o amanhã
O caos urbano está me sufocando!!!”

Por fim, para acabar com minha “sessão fã emocionado”, confesso que da última vez que Pablo voltou do exterior e teve contato com a banda, e ainda sobrou tempo para um ensaio, quase surtei. Falei com o baixista Rhayann, dono do Mamães House, estúdio onde o ensaio aconteceu e perguntei se sobraria tempo para tentar encaixar uma apresentação ao vivo, mesmo que num formado Pocket. Sylvio ,(Ex-Nova Hollanda), novo guitarrista da banda, também deu a mesma ideia. Mas infelizmente Pablo tinha que viajar antes de possibilitarmos a realização desse desejo. E não faltavam entusiastas.

A Dillema conseguiu o mesmo prestígio que o Dead Fish aqui na cidade. Digo isso porque se tratando de hardcore melódico, a banda capixaba tem um secto de fãs gigantesco, se tocassem aqui todo mês, lotaria as casas de shows por um bom tempo. Sabemos da dificuldade de manter uma banda no cenário undergroud, principalmente quando a tal cena existe, mas só nos computadores alheios. Show mesmo, nunca lota. Os integrantes se revezam em exaustivas jornadas duplas para manterem as contas pagas e tocam porque gostam de fazer música. E mesmo com todo o respeito que a antiga “Frango Cu” - É, esse era o nome da Dillema antes… (risos) - conseguiu, não era fácil tocar o barco.

Talvez o “Resistência” seja o disco de hardcore nacional mais esperado dos últimos tempos. Bairrista? Um pouco, mas quando se trata de música, não consigo evitar a hipérbole. O fato é que depois de ouvir o “Expresso...” (primeiro álbum da banda) por inúmeras vezes - disco esse que viria a se tornar um dos meus favoritos do gênero -, não teria como manter ânimos e aliviar nos pedidos para que a banda não soltasse logo algo novo. E pra quem já ouviu alguma coisa do disco, mesmo que um simples refrão ou música bem mal remasterizada, sabe-se do potencial que ele tem. Até lá, a gente se diverte ouvindo o anterior e Bala Perdida (de onde tirei o título desse texto), que tá no SoundCloud da banda.

Bem, é isso! Seguimos esperando um retorno digno, para cantar novamente com toda a energia do mundo! Fingindo ainda ser 2010 e eu um simples garoto curtindo um show da banda predileta da cidade.